De que a monogamia é um conceito socialmente construído poucos especialistas parecem discordar. Afinal, ela está longe de ser a regra entre os animais, nem sempre atende a curiosidade e a busca pelo novo tidas como inerentes ao ser humano e, convenhamos, às vezes parece fadada à frustração. 50 % dos homens e 30 % das mulheres admitem já terem traído o parceiro em algum momento, de acordo com pesquisas.
Com isso em mente, pode parecer lógico buscar outras formas de se relacionar como, por exemplo, em um relacionamento aberto. Para quem está em dúvida entre optar ou não por essa forma de se relacionar, o conteúdo a seguir pode ajudar a descobrir se essa escolha é para você.
O que é um relacionamento aberto
Como ocorre com tudo que tenta compreender a diversidade humana, não há um consenso quando o assunto é relacionamento aberto (ou qualquer outro tipo de relacionamento). Mas, de acordo com a psicóloga Silvana Bernardo, trata-se de “um acordo mútuo de liberdade que o casal possui para se envolver fisicamente com outras pessoas”.
Em outras palavras, é o que diz também a terapeuta Ana Vitória Lascala, do projeto Café com a Comadre: “relacionamento aberto é aquele em que você não tem exclusividade do ponto de vista sexual e não afetivo”, explica.
E, para ela, é aí que o consenso sobre o tema começa a ganhar complexidade. “Você não pode descartar a possibilidade de que, no meio do relacionamento aberto, seu parceiro se interesse afetivamente por outra pessoa porque você cria intimidade. É importante entender que sexo é intimidade, ponto”, diz.
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Não por acaso, a terapeuta cita como um dos possíveis problemas para esse tipo de relacionamento saber lidar não somente com as próprias expectativas e com as do(a) parceiro(a), mas também com os daquelas que ela chama de “pessoas satélites”, isto é, as pessoas com quem vocês irão se envolver fora do relacionamento.
“Pressupõe-se que a relação com elas será puramente física. Mas como garantir que essa terceira pessoa vai ter esse equilíbrio? Ela pode começar a entender que tem um lugar nesse relacionamento, começando a interferir direta ou indiretamente”, comenta.
Isso não significa que relacionamentos abertos sejam impossíveis, quer dizer apenas que eles não são para qualquer um.
Como pré-requisito fundamental para encarar um relacionamento aberto, as duas especialistas citam a boa autoestima como essencial por mais de um motivo.
”Possuir uma boa autoestima e segurança de si para que a pessoa que venha a se envolver com seu parceiro não ameace o relacionamento previamente estabelecido é fundamental”, diz Silvana. “Senão, isso vai começar a dar problema, seja de uma forma passivo-agressiva, seja de outra forma”, completa Ana, que compartilha da mesma opinião.
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Além disso, estar com a autoestima em dia também é muito importante caso as coisas não se desenrolem da maneira esperada, ou seja, caso seu parceiro venha a se interessar afetivamente por outra pessoa.
“Você precisa estar bem para não se martirizar caso isso aconteça”, diz Ana, lembrando que isso não vale só para relacionamentos abertos. “Em qualquer relacionamento, você não deve se martirizar nunca”.
O que não é um relacionamento aberto
Talvez pelo fato de envolver múltiplos parceiros sexuais, o que ainda é um tabu, para boa parte das pessoas o relacionamento aberto consiste em algo que, em termos populares, só poderia ser descrito como “a casa da mãe Joana”. Mas é o oposto disso.
”Em um relacionamento aberto há compromissos relativos que são pré-estabelecidos pelo casal, lembrando sempre que o envolvimento com terceiros é algo que ocorre fisicamente falando. Ou seja, os dois devem concordar com isso e se envolver com outras pessoas deve respeitar a rotina daquele casal”, esclarece Silvana Bernardo. Portanto é importante entender que esse tipo de relacionamento também deve ter suas regras, como será visto mais para frente.
Por isso mesmo, a terapeuta Ana Vitória Lascala também não corrobora outro estereótipo acerca do relacionamento aberto que é a questão do desapego, já que as partes ainda esperam exclusividade afetiva. “A questão é pensar: ‘Eu consigo separar sexo de afetividade’”, diz. Lembrando que é importante que seu parceiro, assim como as pessoas com quem vocês vão se envolver, também sejam capazes de fazer isso.
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Quem nunca buscou depoimentos de quem está ou já esteve em um relacionamento aberto pode se surpreender, por exemplo, ao descobrir que eles sentem ciúmes. Mas contam com a comunicação e com a confiança um no outro para superar o sentimento.
E é passando pela questão do ciúmes que entra uma outra noção bastante difundida sobre relacionamentos abertos, que é a de eles serem uma forma de apimentar e de salvar o relacionamento monogâmico.
De acordo com Ana Lascala, as pessoas às vezes entendem que a perda do interesse sexual está afetando o relacionamento como um todo. “Eu entendo o contrário: algo não vai bem e isso afeta o lado sexual”, sinaliza.
Por que ter um relacionamento aberto
Bom, mas se o relacionamento aberto também tem regras, não nos livra do ciúmes e não serve para salvar a relação a dois, por que cargas d’água você iria entrar em um?
A psicóloga Silvana Bernardo acredita que, desde que decidido de maneira saudável entre o casal, sem impulsividade, ele pode trazer benefícios interessantes, como a pretensão à individualidade e ao empoderamento.
“Poder proporcionar a si mesmo experiências sexuais com outras pessoas sem possuir aquele sentimento de culpa depois é um fato importante, pois não há traição, as brigas poderão ser menos frequentes, pois a sensação de liberdade será maior, e onde havia cobranças e exigências tomará lugar uma possível sensação de autonomia pessoal”, diz Silvana.
Já Ana Lascala, para quem o relacionamento aberto geralmente não se mostra como a melhor opção, ele costuma ser mais tranquilo no início da relação. “As pessoas começam a se relacionar e combinam que vão ter um relacionamento aberto como forma de entender onde essa relação vai dar, pra frustrar menos”, explica.
As duas especialistas, no entanto, concordam que, no começo ou no meio da relação, o importante é identificar o que é bom pra si. “Existem 7 bilhões de pessoas no mundo e, portanto, esse mesmo número de personalidades. Não acho impossível. O importante é entender as expectativas de cada um e se perguntar se funciona para você”, diz Ana.
5 questões essenciais para dar certo
”Acredito que conotar regras, títulos fechados e imutáveis de como deve ser um relacionamento não é algo saudável, pois o ser humano possui uma pluralidade incrível e os relacionamentos podem ser reflexo disto também”, diz Silvana. Até porque, de acordo com Ana Lascala, nem mesmo o real significado de “dar certo” é tão claro como pode parecer.
É permanecer junto para sempre? É crescer e aprender junto com alguém, independente de cada um seguir o seu caminho eventualmente?
Mas, da mesma forma que relacionamentos fechados possuem algumas regras não ditas, um relacionamento aberto também deve ter regras para evitar o sofrimento. A diferença é que, nesse tipo de relacionamento, elas sempre devem ser muito bem comunicadas.
Embora as regras sejam exclusivas de cada casal, abaixo você encontra as principais questões tidas como essenciais para que a relação prospere:
1. Ambos devem estar de acordo
Parece bastante óbvio na teoria, mas, na prática, é comum que as pessoas topem coisas, não somente um relacionamento aberto, a fim de agradar ou para reconquistar o outro. “Abrir mão do que você quer para atender o desejo do outro é receita para o desastre. Em nenhuma instância do relacionamento esse tipo de pensamento funciona”, diz Ana.
2. Jogo limpo com os envolvidos
Como foi dito lá em cima, é impossível garantir que as pessoas com quem vocês irão se envolver também saibam separar sexo de afetividade. Mas o mínimo que vocês podem fazer é comunicá-las a fim de não gerar expectativas.
3. Honestidade entre as partes
Um dos pontos positivos levantados por quem já teve um relacionamento aberto saudável é que, enquanto falar sobre atração e ciúmes pode ser mal recebido em um relacionamento fechado, no relacionamento aberto é importante que ambos sejam honestos sobre isso, a fim de lidar com o assunto juntos.
”Há quem diga: ‘eu quero estar em um relacionamento aberto, mas não quero saber de nada’. Essa pessoa não está pronta para um relacionamento aberto”, alerta Ana.
4. Definição das outras pessoas envolvidas
O tópico pode soar um tanto quanto burocrático, mas, ainda que vocês decidam que não haverá nenhuma restrição nesse sentido, é importante conversar sobre o assunto.
Para Silvana, mesmo a decisão de saber ou não com quem o outro se relacionou vai depender do que é confortável para cada casal. Como reflexão, Ana diz que é comum que a regra seja não sair com pessoas do convívio social dos dois. Não só porque normalmente ali já existe certa afetividade, mas também por isso poder causar constrangimento em algum momento.
5. Sexo seguro, sempre!
Não precisa nem explicar, né? Não é porque o relacionamento é aberto que ele pode estar mais exposto a doenças sexualmente transmissíveis ou a uma gravidez indesejada. A proteção é essencial para manter a integridade não só do casal, como de todos os envolvidos.
Vale ressaltar que as questões levantadas acima não são necessariamente regras, mas pontos a serem pensados tanto de maneira individual quanto em casal.
“O que é legal e o que é saudável é o que é legal e é saudável para cada pessoa. A gente adora regras gerais, mas, na verdade, isso não existe”, diz Ana. Munida de informações, ninguém melhor do que você para saber o que dá certo no seu relacionamento.
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